[Artigo] O uso de nudges para higienização das mãos como estratégia mitigatória comunitária diante da pandemia de Covid-19

Diante de um contexto pandêmico da COVID-19, comportamentos considerados simples, como higienizar as mãos, podem apresentar relevância na prevenção do contágio e no retardamento da progressão dos casos. Contudo, campanhas e intervenções baseadas em “conscientização”, que incluem apelos racionais ou emocionais não têm demonstrado grande efetividade. Assim, a partir de uma compreensão de que comportamentos são influenciados por fatores ambientais pode ajudar a mudar a estratégia, o uso de nudges, por exemplo, pode ser uma intervenção de baixo custo, acessível, simples e não constrangedora capaz de aumentar o comportamento de higienização.

Os autores do texto Gotti, Argondizzi, Silva, Oliveira e Banaco (2020) relatam que diante do cenário de pandêmico causado pelo coronavírus (SARS-CoV-2), é fundamental que medidas de diferentes naturezas sejam adotadas para conter a contaminação ou para retardá-la. Medidas como quarentena exigem um certo grau de controle coercitivo por parte das agências controladoras; no entanto, outras medidas dependem do comportamento das pessoas a nível individual, no qual o controle coercitivo das agências de controle é ineficiente. Desse modo, é preciso arranjar condições ambientais que tornem mais provável o comportamento saudável protetivo e preventivo dos indivíduos, como as intervenções ou estratégias de mitigação da comunidade, dentre as quais uma das mais relevantes é a higienização das mãos.

O comportamento de higienizar as mãos, tal como qualquer comportamento, é multideterminado. Existem fatores culturais, infraestruturais e da história de vida pessoal que influenciam esse comportamento. As abordagens tradicionais para tentar aumentar esse comportamento de frequência se baseiam em mensagens educacionais, conhecidas também como campanhas de conscientização. Essas mensagens, de maneira geral, abordam as formas de contágio, instruem sobre os riscos à saúde e forma adequada de higienização. Entretanto, aumentar a frequência do comportamento de higienização das mãos, principalmente partindo de pessoas com reduzidos recursos, tem se mostrado difícil a partir dessa estratégia (Dreibelbis, Kroeger, Houssain, Venkatesh, & Ram, 2016), em que as taxas de higienização de sucesso ficam em torno de 30% a 35% (Biran, Schmidt, Varadhajan, Rajaramna, Kumar, Greeland, Gopalan, Aunger, & Curtis, 2014), sendo porcentagens consideradas ainda baixas quando pensadas na amplitude da aplicação deste tipo de intervenção em grandes populações.

Outro problema relevante, segundo os autores, desta feita relacionado ao papel das mídias sociais na conscientização a respeito dos comportamentos saudáveis, é que embora a conscientização possa contribuir positivamente para que medidas preventivas e protetivas possam ser tomadas pela população em relação à doença, ela pode também ter um efeito contrário. Esse efeito contrário é chamado de efeito “fadiga da mídia de massa” que atenua os efeitos positivos da divulgação a partir de uma dessensibilização que reduz a percepção de risco da população (Collinson, Kgan, & Haffernan, 2015). Desta forma, excesso de informação deixa de ser informativo e passa a se tornar um estímulo habitual, corriqueiro, perdendo sua capacidade de sinalizar bons comportamentos. Em uma análise comportamental, um estímulo que perde a característica da discrepância, perde também a propriedade de ser um estímulo sinalizador (Donahoe & Palmer, 1994)

A Análise do Comportamento enquanto uma ciência que compreende o comportamento como decorrente das interações dos organismos com o ambiente entende que comportamentos não são causados pela consciência e sim influenciados pelas condições do meio (Todorov, 2007). Essa concepção, portanto, estabelece que é preciso modificar o ambiente para que então se modifiquem os comportamentos dos organismos. Neste horizonte, os autores do presente trabalho apresentam uma intervenção baseada na modificação do controle de estímulos antecedentes e que teve como efeito o aumento da frequência do comportamento de higienizar as mãos.

Dentre as técnicas de controle de estímulos que podem ser empregadas para influenciar em uma maior adesão à higienização das mãos está o nudge (palavra inglesa que pode ser traduzida por “empurrão, cutucão, incentivo de forma sutil”). Os nudges servem como pistas ambientais que tornam mais prováveis um comportamento desejado. Essa intervenção não constrange ou força ninguém a uma ação, também não reduz liberdade de escolha ou faz apelos racionais ou emocionais. Ela apenas contribui, facilitando, o controle do comportamento desejado. Desta forma, os nudges, como defendem os economistas comportamentais, poderiam também ser aplicados em favor da higienização das mãos e servir de alternativa às falhas abordagens tradicionais de comunicação sobre mudança comportamental (Neal, Vujcic, Hernandez, & Wood, 2015; Naluonde, Wakefield, Markle, Martin, Tresphor, Abdullah, & Larsen, 2019).

Dreibelbis, Kroeger, Hossain, Venkatesh, & Ram (2016) fizeram uma intervenção em duas escolas primárias rurais de Bangladesh. Essas intervenções consistiram em sinais sutis no ambiente, na forma de trilhas pavimentadas com desenhos de “pegadas” que conduziam da latrina até a estrutura para lavagem das mãos. Não foram empregadas mensagens adicionais de conscientização. Esse nudge envolveu um baixo custo econômico, foi acessível, simples e inclusivo, tal como orienta a Global Handswashing Partnership (2017). Na linha de base do registro foi marcada uma frequência de 4% das crianças que lavavam as mãos. Essa porcentagem aumentou para 68% no dia seguinte à introdução do uso dos nudges, e para 74% após passadas 6 semanas de intervenção.

Dessa maneira, outros nudges serão úteis para ajudar a manejar os comportamentos da sociedade civil em meio à epidemia. A título de exemplos: organização das filas em campanhas de vacinação da gripe dentre os idosos, que consistem em população de risco, nudges que auxiliem as filas serem demarcadas por fitas no chão, no qual o espaçamento entre um ponto de espera (demarcado por desenhos) e outro da fila seja no mínimo dois metros; ou então alguns adesivos de alvos para serem colados nos ombros ou mesmo na dobra da articulação do braço e antebraço do corpo, podem ser nudges que ajudam a tossir nesses pontos ao invés de tossir nas mãos ou diretamente no ar.

É importante destacar, no entanto, que uma intervenção precisa ser contextualizada à realidade de onde será aplicada, desde o público, local, horário, fluxo de pessoas, infraestrutura. Dessa maneira, uma alteração do ambiente só pode ser considerada um nudge caso consiga ser eficiente na influência do comportamento para o qual foi planejado – estabelecendo reforços, de qualquer natureza, que aumentem a probabilidade do comportamento voltar a ocorrer –  e também não envolva medidas coercitivas ou compulsórias que restrinjam a liberdade de escolha do usuário. 

Em suma, o artigo expõe que a higienização das mãos, o tossir ou o espirrar corretamente, além da manutenção do distanciamento social são comportamentos de estratégias mitigatórias comunitárias para conter o avanço da epidemia de COVID19. No entanto, muitas instruções sejam dadas a respeito de comportamentos que devem ser emitidos nessas ocasiões, poucas condições ambientais são providas aos indivíduos para que os comportamentos saudáveis sejam, de fato, estabelecidos. Assim, intervenções comportamentais baseadas no controle de estímulo antecedente podem ser úteis, pois abarcam intervenções acessíveis, simples e eficazes.

Um resumo de:

Gotti, E. S.,  Argondizzi, J. G. F.,  Silva, V. S., Oliveira, E. A., Banaco, R. A. (2020). O uso de nudges para higienização das mãos como estratégia mitigatória comunitária diante da pandemia de Covid-19. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 15(2), 132-139.

Referências:

Biran, A., Schmidt, W., Varadharajan, K. S., Rajaraman, D., Kumar, R., Greenland, K., Gopalan, B. B., Aunger, R., & Curtis, V. (2014). Effect of a behaviour-change intervention on handwashing with soap in India (SuperAmma): A cluster-randomised trial. The Lancet Global Health, 2 (3) 145-154. DOI: 10.1016/S2214- 109X(13)70160-8

Collinson, S., Khan, K., & Hefferman, J. M. (2015). The effects of media reports on diease spread and importante public health measurements. PLoSOne, 10 (11) 1-21. DOI: 10.1371/journal.pone.0141423.

Donahoe, J. W., & Palmer, D.C. (1994). Learning and complex behavior. Boston: Allyn & Bacon. (Reprinted 2005, Richmond, MA: Ledgetop Publishers, www,lcbonline.org).

Dreibelbis, R., Kroeger, A., Houssain, K., Venkatesh, M., & Ram, P. K. (2016). Behavior change without behavior change communication: nuding handwashing among primary school students in Bangladesh. International Journal of Environmental Research and Public Health, 13 (14) 1-7. doi: 10.3390/ijerph13010129.

Neal, D., Vujcic, J., Hernandez, O., & Wood, W. (2015). The Science of Habit. Creating disruptive and sticky behavior change in handwashing behavior. Washplus Supportive Environments for Healthy Communities. Recuperado em: http://www.washplus.org/sites/default/files/resource_files/habits-neal2015.pdf

Todorov, J. C. (2007). A Psicologia como estudo de interações. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 23, 57-61. Van Kleef, E., & Van Trijp, H. C. M. (2018). 

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