Quantas vezes nos perguntamos: “por que continuo a fazer isso mesmo sem produzir resultados?”? Quantas vezes passamos muito mais tempo do que o planejado esperando alguém, em uma fila, em um curso ou em um relacionamento mesmo quando tudo sinaliza que não tem consequências previstas ou que, pelo menos, na maior incerteza delas?
Um fenômeno que tem origem na economia e então foi trazido para a Psicologia e Análise do Comportamento pode ajudar a entender tais ações. O fenômeno é chamado de sunk cost effect (efeito do custo afundado).
O estudo de tal fenômeno é recente e foi inicialmente apresentado pelos psicólogos Arkes e Blummer (1985). O custo afundado descreve a tendência a persistir em um curso de ação devido ao investimento de dinheiro, tempo ou custo da resposta anterior à necessidade de assumir novos cursos.
Originalmente os autores queriam saber por que alguns cursos de ação continuavam acontecendo mesmo quando não há sinalização de bons resultados. Perguntaram aos participantes se eles investiriam em um projeto de avião em que já haviam começado a investir (sem possibilidade de recuperar o dinheiro), ainda que durante o desenvolvimento do projeto um concorrente apresentasse um projeto melhor e mais barato. Então criaram cenários de valores distintos de investimentos antes do aparecimento da concorrência. Os resultados apontavam para a maior persistência quando havia maiores investimentos prévios. Em um segundo questionário eles criaram um cenário no qual uma pessoa comprou dois pacotes de viagem, um com o dobro do valor do outro. A viagem de menor valor seria mais interessante para eles. Ambas as viagens eram no mesmo fim de semana e não reembolsáveis. Os participantes então decidiam em qual iriam. A maioria dos participantes (56%) escolheu a viagem que custou mais para ir, mesmo sendo menos interessante para eles, demonstrando o efeito do custo afundado.
Este fenômeno foi inicialmente relacionado com a Prospect Theory de Kahneman e Tversky (1979). Esta proposta afirma que as pessoas tomam decisões controladas não apenas pelo resultado final, mas pelos potenciais ganhos e perdas e estas duas últimas influenciam uma à outra. Muitas perdas previstas para uma alternativa pode deixar a outra com poucos ganhos muito mais controladora. Os autores afirmam que as perdas geram reações emocionais e valem assimetricamente mais que os ganhos. Por exemplo, deixar de ir em um programa de interesse só seria compensado em caso de poder ir em pelo menos dois outros.
Em Análise do Comportamento, o efeito sunk cost tem sido estudado na área chamada de persistência comportamental. É um fenômeno complexo com múltiplas possibilidades de controle. Carreiro (2005) e Campos (2019) afirmam que processos como o do momento comportamental e das regras podem estar relacionados com a manutenção do responder nestes casos de incerteza frente às consequências do responder.
A partir de agora apresentaremos um estudo de autoria de Navarro e Fantino (2009) que fala sobre um processo correlato, mas no qual o investimento foi de tempo e não dinheiro ou respostas. Neste caso, nenhuma ação específica é necessária, mas o tempo dispendido no curso da ação. Quando estamos em uma fila de banco não há nenhuma resposta específica além de ficar na fila. Este fenômeno recebe o nome de sunk time (tempo afundado). Será que o tempo investido em um determinado curso de ação também produz persistência no comportamento dos organismos? O tempo de espera de um caçador por uma caça impacta em sua permanência em um lugar de baixa densidade de presas? O tempo de permanência em uma fila de banco impacta na persistência até se conseguir resolver suas questões? O tempo em um curso superior que não é reforçador impacta em sua permanência?
No referido estudo os autores desenvolveram uma série de 4 experimentos para avaliar o efeito do tempo e suas qualidades na persistência.
No Experimento 1, os participantes eram instruídos a imaginarem que eram líderes em uma empresa de mineração de cobre. Os equipamentos sinalizavam para uma jazida de pouco minério e pelo menos mais 10 dias até encontrá-la. Três condições foram delineadas: 1) tempo zero; 2) tempo fácil e 3) tempo duro. No tempo 0 eles acabavam de chegar na mina e recebiam as informações da jazida. No tempo fácil as descrições foram as mesmas com a adição de que já estavam escavando há 60 dias. No tempo difícil o tempo de escavação era o mesmo, mas fora descrito que ela foi difícil e com muitos esforços. Em todos os casos os participantes deviam dizer se continuariam escavando por mais 10 dias. Os resultados foram que 34% dos participantes no tempo zero, 55% dos participantes no tempo fácil e 68% dos participantes no tempo difícil escolheram persistir. Este dado sugere que o custo empregado impactou na persistência nesse curso de ação. Vale ressaltar que esta pesquisa era exclusivamente de relato. O Experimento 3 foi uma replicação do Experimento 1 invertendo a palavra fácil por difícil, logo tendo as condições palavras sinônimas. Os resultados foram semelhantes tendo ambas as condições com sinônimos 56% e 59% de persistência. Em um artigos dos mesmos autores de 2005, os autores desenvolveram um programa no qual o custo da resposta eram esquemas FR (razão fixa) em proporções distintas. Esquemas FR de baixo custo eram mais prováveis e de alto custo menos prováveis. Os dados da pesquisa de 2005 corroboram com os dados da presente pesquisa, apresentando sunkcost (persistência nos esquemas maiores de FR) mesmo quando a melhor opção seria suspender a tentativa e iniciar outra com outro sorteio de esquema FR.
O Experimento 2 testou se tempos entediantes ou excitantes afetariam a persistência. A primeira condição era a controle sem tempo afundado e sem descrição de diversão na pedreira. Na segunda condição era dito que o tempo na pedreira era divertido pois você estava com seus amigos (tempo divertido). A outra condição era de tempo aversivo na qual o participante tinha que acompanhar e corrigir constantemente a ação dos seus colaboradores que não eram experientes e logo você não estava se divertindo de forma nenhuma. Os resultados são de que 11%, 25% e 31% dos participantes decidiram manter a mineração nas condições: tempo zero; tempo divertido e tempo aversivo respectivamente, mais uma vez demonstrando que o custo impactou nas escolhas.
No Experimento 4 os pesquisadores mudaram a referência de líder de um grupo para o participante ser o minerador. Neste experimento havia apenas duas condições: 1) pouco tempo e 2) muito tempo. Na condição 1 ele acabava de avaliar e não havia iniciado ainda as escavações. Na condição 2 já havia 60 dias de escavação. Os dados foram de que 47% e 86% dos participantes escolheram persistir nas condições pouco e muito tempo respectivamente. Logo a implicação da resposta diretamente ao participante e o tempo foram controladores importantes para a diferença na persistência comportamental.
Tá bom, o tempo importa. Mas por que é importante? Muitos fenômenos cotidianos podem ser analisados sobre esse processo. Relacionamentos afetivos, por exemplo. Zordan, Wagner, Mosmann (2012) coletaram dados em fóruns e descobriram que apenas 21,2% dos divórcios foram após 22 anos de casamento. Será que relacionamentos longos não têm problemas? Será que seria pelas emoções e sentimentos que funcionariam como operação abolidora das funções aversivas dos defeitos do outro e conflitos? Ou pode ser pelo tempo e investimento já feito no relacionamento antes dos conflitos e evidentes falhas que o outro possa ter?
Sobre a relação entre tempo afundado e relacionamentos, Rego, Arantes e Magalhães (2016) delinearam experimentos para verificar a relação entre sunk cost e sunk time e outras variáveis. No Experimento 1 eles criaram um cenário no qual os participantes estavam infelizes e sem reforços no relacionamento. Desenvolveram quatro condições: 1) controle; 2) tempo; 3) dinheiro e 4) esforços. Na primeira condição era apenas dito que havia 1 ano de relacionamento. Na segunda era dito que o relacionamento durara 10 anos antes da situação atual. A condição três descrevia que eles haviam investido todo seu dinheiro em um bem comum. E na condição quatro o participante havia tentado custosamente resolver, conversando e passando mais tempo com o (a) parceiro(a). As condições controle e tempo produziram os mesmos resultados, mostrando que a mera passagem do tempo não foi suficiente para aventar a possibilidade de término. No entanto, quando havia dinheiro ou esforços houve mais persistência (aumento de 25% para 35% e 36% respectivamente).
No Experimento 2 as autoras repetiram apenas condições controle (1 ano de relacionamento) e tempo (10 anos de relacionamento) e usaram duas medidas de variável dependente para a pergunta: “Quanto tempo vocês investiriam em um relacionamento neste cenário?”. Uma das medidas era visual na forma de uma régua que variava de 0 a 100 com “tempo algum” junto ao 0 e “muito tempo” junto ao 100. A segunda medida era um número em dias de persistência nesse relacionamento. Os resultados demonstraram indiferença entre as condições para a régua, mas efeito com mais persistência com 10 anos de relacionamento na quantidade de dias investidos na relação. O efeito foi de 289 dias em média para a condição controle e 587 dias para a condição tempo.
Este último estudo é apenas um exemplo de como o processo de custo afundado e tempo afundado podem ser importantes nas análises de contingências de comportamentos cotidianos. Compreender tais processos auxiliaria no planejamento de intervenções mais acuradas e produtoras de mudanças. Há ainda muito a fazer e muitas variáveis a serem investigadas. Junto ao meu laboratório estamos investigando variáveis como: 1) comparação entre sunk cost e sunk time nos mesmos participantes usando o sujeito único como delineamento; 2) efeito de regras diretas e contextuais no fenômeno; 3) inclusão de esforço durante a passagem de tempo para compreender a relação entre os fenômenos; 4) reforços sociais no fenômeno de sunk cost em relacionamentos (“vocês fazem um belo casal”); 5) comparação entre custo afundado e massa de respostas reforçadas (momento comportamental) na persistência do responder em relacionamentos e experimentos com operantes sem contexto e 6) efeito de operações disruptivas como conflitos conjugais ou mesmo violência na persistência comportamental.
Ah! Se você continuou lendo desde o início mesmo não achando interessante ou com a sensação de “quero ver onde vai dar esse texto”, seu comportamento de leitura pode ser descrito nos termos do efeito sunk cost.
Referências
Arkes, H. R., & Blumer, C. (1985). The psychology of sunk cost. Organizational Behavior and Human Decision Processes, 35, 124–140. doi:10.1016/0749-5978(85)90049-4.
Campos, Monique Andrade. (2013) O papel de instruções falsas e verdadeiras sobre o feito sunk cost. Dissertação (Mestrado em Ciências do Comportamento), Universidade de Brasília, Brasília.
Carreiro, P.L.(2007). Efeitos da probabilidade de reforçamento e do custo da resposta sobre a persistência comportamental. Dissertação (Mestrado em Ciências do Comportamento), Universidade de Brasília, Brasília
Kahneman, D. e Tversky A. (1979). Prospect Theory: An Analysis of Decision under Risk Econometrica, Vol. 47, No. 2, pp. 263-291Rego, Sara; Arantes, Joana; Magalhães, Paula (2016). Is there a Sunk Cost Effect in Committed Relationships?. Current Psychology, (), –. doi:10.1007/s12144-016-9529-9
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