[Artigo] A relação professor-aluno na universidade: contingências sociais desfavoráveis

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No intuito de ampliar nosso conhecimento acerca das relações professor-aluno no contexto da universidade, Vieira-Santos e Henklain (2017) escreveram um ensaio no qual analisam contingências que dificultam ou impedem o estabelecimento dessas relações. O artigo intitulado “Contingências sociais que dificultam o engajamento do professor universitário em relações de qualidade com seus alunos” foi publicado no volume 8 da revista Perspectivas em Análise do Comportamento. Este texto é um resumo do que os autores apresentam em suas análises.

A maioria de nós é capaz de recordar-se de um professor ou professora que tenha “feito a diferença” e que julgamos ter causado um impacto positivo em nosso desenvolvimento. Professores que tenham marcado nossa forma de ver o mundo ou que tenham sido inspiração para sermos pessoas melhores. Em uma pesquisa recente acerca do tema, 79% dos participantes, estudantes de um curso de Psicologia, afirmaram ter conhecido algum professor assim durante a graduação (Polick, Cullen & Buskist, 2010). Quando perguntados acerca do que eles acreditavam fazer desse professor tão especial, citaram, principalmente, habilidades importantes para construção de uma boa relação interpessoal com os alunos. Entre elas estavam: incentivo aos projetos pessoais e a autoconfiança dos estudantes, preocupação com a aprendizagem e disposição para ajudar dentro e fora de sala de aula. Aos estudantes que declararam não ter vivido tal experiência, os autores perguntaram os motivos e encontraram principalmente: a impressão de que as turmas grandes afastam os professores de um contato mais próximo capaz de ser transformador e a indisposição desses alunos para manterem relações mais próximas com seus professores. Em ambos os casos, destaca-se a necessidade do professor ser capaz de construir relações de qualidade com seus alunos.

Por outro lado, é igualmente comum ouvirmos queixas sobre dificuldades no processo ensino-aprendizagem decorrentes da má relação dos estudantes com seus professores e da postura coercitiva que muitos adotam (Viecili & Medeiros, 2002). Por vezes, o que o professor entende como uma postura de autoridade é vista pelos seus alunos como autoritarismo (Carvalho, 2005), o que dificulta a comunicação e consequentemente o processo de aprendizagem. As altas taxas de reprovação nos cursos de graduação de universidades brasileiras (Rissi & Marcondes, 2013) e a evasão no ensino superior podem remeter a, além de outros fatores, programações inadequadas de contingências de ensino e uso recorrente de controle aversivo em sala de aula por parte de professores (Skinner, 1968/1972; Carmo, 2010,) que tem efeitos deletérios sobre a aprendizagem.

O processo de ensino-aprendizagem é entendido pela Análise do Comportamento como uma relação de interdependência entre o comportamento de ensinar do professor e os comportamentos dos alunos que evidenciam aprendizagem. Para Kubo e Botomé (2001), ensinar é aquilo que o professor faz que tem como resultado o aprendizado do aluno. É possível deduzir afinal que ensinar é um comportamento social, uma vez que envolve os comportamentos de duas ou mais pessoas umas em relação às outras ou de todas em relação a um ambiente comum (Skinner, 1953/1998).

Vieira-Santos e Henklain (2017) apresentam muitos estudos que revelam os impactos dessa relação com professor na experiência discente no ensino superior. Impactos positivos como satisfação com a experiência universitária e adaptação acadêmica (Oliveira, Wiles, Fiorin & Dias, 2014), interesse e participação dos alunos em sala (Bariani & Pavani, 2008), e até incorporação de valores importantes para desempenho ético da profissão (Cavaca et al. 2010), quando a relação é considerada de qualidade. Impactos negativos, como evasão da universidade (Bargadi & Hultz, 2012) e dificuldades na aprendizagem (Zani & Nogueira, 2006), quando a relação é considerada ruim. Diante dessas considerações, os autores defendem a importância do planejamento para que tais impactos não sejam apenas acidentes do processo ensino-aprendizagem. Para isso, torna-se relevante conhecer as contingências que favorecem e dificultam as relações entre professor e alunos no contexto específico do ensino superior.

De início, destacam-se as contingências produzidas pela política de formação de docentes para o ensino superior no Brasil. Muitos dos cursos de mestrado e doutorado, requeridos para cumprimento da função de professor, têm seu foco na formação para pesquisa e aprofundamento em campos específicos do saber e não necessariamente dão ênfase ao desenvolvimento de competências pedagógicas por parte dos mestrandos ou doutorandos (Oliveira & Silva, 2012). Por vezes, formam-se profissionais capazes de produzir saber técnico e científico, mas com dificuldades no repertório de ensino e de relações interpessoais com discentes, habilidades que lhes serão exigidas no contexto profissional.

Esse déficit torna-se mais evidente no contexto atual pelo fato de cada vez mais a posição entre professores e alunos estar se deslocando para horizontalidade. As tecnologias facilitam o acesso à informação e retiram o professor do lugar de “transmissor de conhecimento”. Isso, aliado a melhor compreensão do processo de aprendizagem, que aponta para a necessidade de que o aluno aprenda a aprender e a tomar iniciativa, tem requerido dele uma postura de facilitador da aprendizagem, o que exige competências para construção de relações de qualidade em seu trabalho com estudantes (Masetto, 2003).

Um segundo conjunto de contingências que dificultam a formação de vínculos transformadores diz respeito àquelas que regem a administração do tempo de trabalho do docente. Muitas vezes tendo que cumprir longas jornadas semanais em salas de aulas com elevado número de alunos, o docente não se sente disposto nem com condições para se dedicar a relações de qualidade. Atividades de gestão, reuniões, comissões, a exigência de publicação de trabalhos e cumprimento de rotinas burocráticas consomem muito tempo e podem forçá-lo a optar por uma postura mais distante de seus alunos. Contingências dessa natureza são também comuns quando a remuneração é baixa e o professor acaba por buscar outras fontes de renda, ocupando ainda mais seu tempo.

Outras atividades desempenhadas pelo docente podem ser melhor remuneradas e concorrer com aquelas que seriam promotoras de boas relações com seus alunos. Esse grupo de contingências se estabelece principalmente nas universidades públicas onde comportamentos de envolvimento com a produção acadêmica acelerada podem ser reforçados com financiamento e reconhecimento de seus colegas e superiores (Lima & Lima-Filho, 2009).

A falta de condições para aprendizagem de habilidades sociais educativas é outro grupo de contingências analisado por Vieira-Santos e Henklain (2017). É preciso compreender que habilidades sociais são aprendidas ao longo da vida do sujeito através de observação de modelos, instruções e consequências reforçadores (Del Prette, Ferreira, Dias, & Del Prette, 2015), o que significa que o déficit nesses pontos pode ocasionar em déficits na aprendizagem de tais habilidades. Professores podem ter vivido histórias de interação com modelos insatisfatórios, não terem recebido instruções apropriadas ou ainda, não terem encontrado reforçadores adequados em seu envolvimento direto com estudantes. Somada à falta de tempo livre, o professor pode ter poucas oportunidades de participar de situações em que poderia desenvolver suas habilidades e relações como conversas amenas em intervalo com alunos e confraternizações informais.

O comportamento dos alunos é também parte da contingência que controla o comportamento do professor podendo assumir diversas funções como reforçadora, estabelecedora, discriminativa e punitiva entre outras. O estudante que viveu uma história de controle aversivo com alguns professores no passado pode manter uma postura mais reservada e não se sentir confortável em manter contato próximo com outros. Ademais, é comum o emparelhamento entre o professor e as provas, trabalhos e cobranças na vida de estudantes universitários diminuindo a probabilidade de que estabeleçam relacionamento significativo. Outra possibilidade é o comportamento do estudante ser afetado pelo relato de outros estudantes acerca de más experiências com um professor específico, fazendo com o que ele esquive de situações que poderiam vir a aproximá-los.

Para Vieira-Santos e Henklain (2017), há ainda a possibilidade de haver um déficit de discriminação do efeito do seu desempenho sobre o comportamento dos alunos por parte do docente. Muitos acreditam que a motivação para estudo e para dedicação na faculdade deve ser intrínseca ao estudante e não são capazes de perceber o quanto seu desempenho como professor se relaciona com isso. Pesquisas como a de Bariani e Pavani (2008) apontam que os estudantes costumam relacionar o bom desempenho do docente com a satisfação em relação ao curso e a motivação para cursá-lo. O risco do professor não perceber que seu desempenho afeta a motivação do estudante é que regras inadequadas (como “é preciso que a disciplina seja difícil para que estudem bastante” ou “é preciso passar muita tarefa para aprendam mais”) podem controlar seu comportamento desde o planejamento da disciplina. Essa postura pode sustentar o afastamento entre professor e aluno por motivos equivocados e prejudicar construção de relações de qualidade.

Para finalizar, os autores lembram que, conforme recomendado por Oliveira e Silva (2012), essa preocupação crescente com questões relativas ao desenvolvimento de habilidades sociais educativas deve transformar-se em ações institucionais práticas para promoção de melhores competências pedagógicas. Almeida e Pimenta (2014) descrevem mudanças nas políticas institucionais e implementação de programas na Universidade de São Paulo que visam a formação do docente para o ensino, buscando mudanças num universo acadêmico que supervaloriza atividades pesquisa em detrimento da sala de aula. É importante também atentarmos para projetos que dão visibilidade às boas práticas de ensino como faz o Prêmio Professores do Brasil. Essas ações podem melhorar o engajamento de docentes no trabalho em sala de aula e em relações de qualidade com seus alunos.

Esta análise pode abrir caminhos para identificarmos com mais precisão quais contingências precisamos perceber e alterar para que o resultado seja a valorização, por parte de todos, das práticas pedagógicas que favorecem relações de qualidade entre alunos e professores.

Um resumo deVieira-Santos, J., & Henklain, M. H. O. (2017). Contingências sociais que dificultam o engajamento do professor universitário em relações de qualidade com seus alunos. Perspectivas em Análise do Comportamento8(2), 200-214.

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