[Artigo] A que servem os “ismos” em debates acadêmicos e científicos?

Dittrich (2019) discute o que podem vir a ser os “ismos”, tão presentes em debates acadêmicos e científicos, e procura apontar seus benefícios e perigos para a produção de conhecimento. Nesse movimento, o autor passa pelas noções analítico-comportamentais de criação de conceitos, baseando-se nos processos de generalização e discriminação, na noção de controle múltiplo do comportamento verbal, assim como também pelas implicações envolvidas na utilização de tais “ismos”. O artigo caminha na direção de entender a questão como variável, e explora as possibilidades de discussão envolvidas na temática. 

A ideia de que práticas científicas são comumente identificadas por determinados rótulos referentes às características que definem diferenças e semelhanças entre distintas comunidades verbais é o ponto inicial de discussão em que Dittrich (2019) se apoia. O autor argumenta que tais rótulos se utilizam (sem que isso seja um recurso imprescindível) do sufixo “ismo” no movimento de nomeação das práticas em questão. Exemplos disso são, ao menos no âmbito da Filosofia, os termos: positivismo, pós-modernismo, romantismo, materialismo, entre outros (Dittrich, 2019). Segundo Dittrich (2019): “Cada um desses termos está sob controle de diferentes características (ontológicas, epistemológicas, metodológicas, éticas, estéticas) das práticas de várias comunidades verbais, de modo que uma mesma comunidade pode receber diferentes rótulos, e o mesmo rótulo pode ser aplicado a diferentes comunidades” (p. 512).

O objetivo do artigo, portanto, é apresentar uma interpretação analítico-comportamental dos processos que dão origem aos “ismos”, assim como apontar aspectos positivos e negativos em sua utilização, com destaque à possibilidade de se amenizar ou prevenir os aspectos negativos. Para tanto, Dittrich (2019) inicia seu percurso explorando o processo de formação de conceitos em uma perspectiva analítico-comportamental. Segundo ele: “Um conceito é um operante verbal sob controle de características estimuladoras comuns a diferentes objetos ou eventos” (p. 513). Em outras palavras, diz-se que se há um conceito quando o comportamento das pessoas fica sob controle de estímulos semelhantes presentes em eventos distintos. O fato se examina, no âmbito da Análise do Comportamento, a partir dos processos de discriminação e generalização. No caso da discriminação, entende-se que respostas de “diferenciar” serão emitidas, e no caso da generalização, respostas de “esquecer diferenças” serão emitidas. No caso da formação de conceitos, Dittrich (2019) aponta que o importante é “estar sob controle de semelhanças e diferenças entre estímulos, conforme ensinadas por comunidade verbais” (p. 514).

Na sequência, Dittrich (2019) investiga as variáveis especiais que participam do controle das respostas verbais “ismos”. Segundo ele, são numerosas e interagem de formas complexas (ou, ao menos, exibem maior complexidade que aquelas envolvidas no nomear de objetos e eventos da vida cotidiana, tais como nomear “cão”, ou “gato”). No caso dos “ismos”, a aprendizagem ocorre a partir do reforçamento diferencial de propriedades verbais (auditivas e textuais), mas sua emissão também ocorre em função do tipo de audiência do indivíduo falante, e de suas contingências sociais extra-empreendimento acadêmico e científico, tais como seus contextos pessoais, políticas, éticos, econômicos etc. Frente a isso, Dittrich define genericamente os “ismos” como: 

operantes verbais sob controle de características do comportamento (verbal, em especial) de integrantes de certas comunidades, que emergem a partir de processos de generalização intraclasse e discriminação entre classes, mas que também podem ser emitidos, separadamente ou conjuntamente, sob controle de outras variáveis, em especial de ordem motivacional. (p. 515)

Assim, como argumenta o autor, os “ismos” encontram sua utilidade na criação de certa identidade em relação às práticas comuns de uma comunidade verbal (no behaviorismo, por exemplo, “behavioristas radicais” trabalham em torno do comum acordo com respeito a determinadas assunções filosóficas, metodológicas e conceituais). Ainda assim, há de se considerar a possibilidade de que tais definições sofram variações (devido ao próprio estatuto do comportamento) e que o controle de estímulos envolvido na emissão dos diferentes “ismos” não seja sempre indiscutível. Um exemplo disso pode estar na dificuldade de se descrever as variáveis que controlam a emissão de nossos próprios comportamentos em relação a com quais “ismos” nos “identificamos”, isto é, o fato de uma pessoa se declarar mecanicista ou existencialista não significa que haja clareza total em relação às variáveis que controlam sua declaração. Como aponta Dittrich (2019): “pessoas e grupos em uma discussão frequentemente estão sob controle de variáveis distintas ao se referir a um mesmo “ismo”” (p. 517). Isso parece ficar claro quando se analisa o caso dos adjetivos que descrevem os extremos do espectro de orientação política designados “direita” e “esquerda”. É prática comum supor-se que tais adjetivos caracterizam, fiel e invariavelmente, posições bem definidas e imutáveis, as quais se opõem mutuamente e que fazem emergir desacordos, muitas das vezes, de caráter emocional em discussões sobre o tema. 

Dittrich (2019) também aponta para outro tipo de perigo na utilização dos “ismos”, a saber, a possibilidade de sua subclassificação em “ismos dos ismos” (Dittrich, 2019). Isso pode acarretar, segundo o autor, em uma espécie de tipificação dos “ismos” que acaba ficando sob controle de aspectos muito particulares de cada proposta teórica ou filosófica, o que, para além disso, pode acabar por gerar uma espécie de criação de novos “ismos” com critérios tão rigorosos que há o risco de paralisação e abandono de discussões que poderiam vir a solucionar tais engôdos, assim como estabilizar comunidades verbais em torno de “projetos comuns de investigação” (Dittrich, 2019, p. 518). Uma das consequências mais graves de tal movimento, segundo Dittrich (2019) é a possibilidade de que propostas sejam ignoradas e mal estudadas, o que pode vir a perpetuar preconceitos injustificáveis. Nas palavras do autor: “É possível aqui traçar um paralelo com preconceitos e estereótipos sociais (raciais, sexuais, de gênero, religiosos, etc.), que via de regra se fundamentam em concepções reducionistas e simplistas sobre relações comportamentais complexas (Mizael & de Rose, 2017; Moore, 2003)” (Dittrich, 2019, p. 518). Por outro lado, conforme destaca Dittrich (2019), não se trata do caso de se “silenciar críticas, apaziguar contradições ou simular entendimentos” (p. 519), mas tão somente de “desenvolver repertórios para reconhecer e lidar com cenários intelectuais complexos e diversificados” (p. 519), e tal movimento deve acontecer, também, dentro do âmbito de cada “ismo”, cumprindo-se o objetivo de que ocorra um avanço intelectual e científico, necessário e possível.

Nota-se que há consequências bastante visíveis dessa discussão no âmbito da formação acadêmica em Psicologia. Dittrich (2019) argumenta que a formação do estudante de Psicologia, se se mantiver em vista tudo o que foi discutido até o presente momento, deveria prezar por uma flexibilidade e pluralidade intelectual, sempre com o devido cuidado de não se recair sobre o dogmatismo e sobre o ecletismo teórico incoerente. Em poucas palavras, trata-se de educar para a diversidade, sem se deixar de lado a criticidade e a capacidade de se fundamentar posicionamentos filosóficos, conceituais, éticos, políticos etc. Segundo o autor, “Uma crítica bem fundamentada a um certo “ismo” é uma das melhores contribuições a ele” (Dittrich, 2019, p. 520). 

O recado parece ser a ideia de que rejeitar cegamente outros empreendimentos de produção de conhecimento pode ser um passo arriscado se o objetivo dos(as) analistas do comportamento for a obtenção de um grau cada vez maior de possibilidades de compreensão sobre o comportamento humano e os problemas que o circundam. De fato, parece ser apropriado a behavioristas (e a quem aqui se vir enquadrado) que estabeleçam diálogos (nunca de maneira acrítica) com outros campos de conhecimento, pois fazer e receber críticas pode ser aspecto fundamental a contribuir com a compreensão de cada “ismo” e suas limitações e contribuições, assim como de suas superações ou manutenções. 

Resumo de: 

Dittrich, A. (2019). A que servem os “ismos” em debates acadêmicos e científicos? Acta Comportamentalia, 27(4) 511-525. 

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