[Entrevista] Marcelo José Silva discute Segurança Comportamental e Análise do Comportamento nas Organizações

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O Boletim Contexto convidou Marcelo José Silva (também conhecido como Zé Marcelo) para falar sobre Análise do Comportamento nas Organizações (Organizational Behavior Management, OBM) e Segurança Comportamental (Behavior-Based Safety, BBS). Marcelo é graduado em Engenharia Mecânica e em Psicologia, especialista em Planejamento Energético e em Gestão de Pessoas, e mestre em Psicologia Experimental. Trabalha desde 2006 na Petrobras, inicialmente como analista de recursos humanos e, desde 2015, como analista de segurança comportamental. Recentemente foi nomeado representante da Petrobras na área de Fatores Humanos na Segurança (Safety-Human Factors) junto à International Association of Oil & Gas Producers, uma associação sem fins lucrativos que reúne empresas responsáveis por mais de metade do petróleo e mais de um terço do gás produzidos no mundo, em uma rede permanente de troca de informações sobre vários temas, entre eles a segurança do trabalho. Na entrevista, Marcelo apresenta a BBS, sugere leituras introdutórias, reflete sobre sua trajetória, e discute relações entre a banalização de desvios (riscos de acidente) e o paradoxo da esquiva.

1.  O que é essa área na qual você atua hoje, a Segurança Comportamental?

Segurança Comportamental é a subárea da OBM que trata da segurança do trabalho, é a aplicação da análise do comportamento para tratar dessa questão. A segurança do trabalho, da forma como a conhecemos hoje, se consolida no início do século XX com a criação da Organização Internacional do Trabalho e as regulamentações que garantiam direitos sociais nos países associados – entre eles, o direito a condições de trabalho saudáveis e seguras. Por outro lado, a ocorrência de grandes acidentes industriais também evidenciou a importância da prevenção de perdas humanas e patrimoniais. Inicialmente, essa área era dominada por engenheiros, e muito focada em aspectos físicos do trabalho, em características das máquinas e equipamentos utilizados no trabalho. Com o tempo, e principalmente com a análise de grandes acidentes, o fato dessas máquinas e equipamentos serem utilizados por pessoas que se comportam foi sendo reconhecido e a importância da interface pessoa-comportamento-máquinas passou a ser destacada. Passou-se a enfatizar os “fatores humanos” no trabalho. A partir disso, ficou mais claro o papel que psicólogos – e analistas do comportamento – poderiam desempenhar na promoção da segurança no trabalho. A Segurança Comportamental é fruto dessa história, desse encontro entre as necessidades de segurança de organizações, principalmente indústrias, e a ciência do comportamento.

Eu arriscaria dizer que hoje a Segurança Comportamental está para a atuação na Psicologia Organizacional e do Trabalho como as intervenções de análise do comportamento aplicada no autismo estão para a atuação em Psicologia da Saúde. Ela é um nicho no qual a Análise do Comportamento conseguiu mostrar sua eficácia, se firmar e ganhar um espaço para mostrar sua importância. A existência de uma área de Fatores Humanos na Segurança em uma associação do porte da International Association of Oil & Gas Producers já é um exemplo da importância dessa área. Nesse meio, as metodologias de BBS são amplamente conhecidas e aplicadas. Assim, atuar como analista do comportamento, trabalhar com Segurança Comportamental, foi um dos principais fatores que me proporcionou ter sido indicado como representante da empresa.

Para quem quiser conhecer melhor a área eu sugiro o artigo de 2015 de Bogard e colaboradores no Journal of Organizational Behavior Management, “An Industry´s Call to Understand the Contingencies Involved in Process Safety: Normalization of Deviance” (JOBM, 35, 70-80). O autor principal é um engenheiro da área de petróleo que discute o que é chamado de “banalização de desvios” – o fato de que evitar cuidadosamente os riscos no trabalho, por efetivamente evitar acidentes, acabar levando a um “desleixo” em relação a esses comportamentos seguros e a um consequente aumento de riscos e acidentes. Ele destaca a importância da Psicologia para lidar com essa questão e introduz a Segurança Comportamental. Também vale a pena consultar o site da OBM Network. Infelizmente, a grande maioria das produções na área, inclusive as introdutórias, estão em inglês. Em português, uma das referências mais conhecidas é o livro “Comportamento Seguro”, da psicóloga Juliana Bley, que tem ampla experiência como profissional na área.

 

2. Sua formação em Engenharia Mecânica afetou sua trajetória na Psicologia e sua atuação com Segurança Comportamental?

Sim, essa formação me ensinou sobre metodologia científica e filosofia da ciência na prática. Quando entrei na Psicologia, muitos dos princípios científicos eu já tinha visto na prática, nos laboratórios da Engenharia. Lá, eu realizei, por exemplo, uma iniciação científica em indústrias produtoras de café solúvel que visava manejar o rejeito de borra de café produzido por essas indústrias. A borra, ainda molhada, era por vezes queimada junto com óleo combustível para aquecer as caldeiras que extraiam o café. Só que isso gerava perda de eficiência, pela presença da água. Eu pesquisei como várias empresas lidavam com a questão. E encontrei um industrial que antes de usar a borra a secava com a fumaça da caldeira, retirando a água do processo e ganhando eficiência. Assim, ele resolveu um problema de dejeto ambiental tornando-o uma fonte de energia econômica. Nessa pesquisa, então, eu aprendi a começar por um problema, para então realizar medidas sobre o assunto e encontrar uma solução. Desse modo, quando eu já estava na Psicologia e um professor discutia a influência da Física e da Química na obra de algum psicólogo, eu lembrava dessa minha experiência e isso me ajudava a compreender o conceito. Essa minha formação também facilitou muito minha compreensão sobre a diferença entre uma perspectiva mecanicista, que trata de relações de causa e efeito lineares no tempo, e uma perspectiva selecionista, que envolve um determinismo probabilístico e a seleção por consequências.

Durante a graduação de Engenharia Mecânica, eu ainda estagiei um ano no SENAI, conhecendo e trabalhando em diversas indústrias (montadoras de carro, por exemplo), quando eu pude conhecer por dentro como indústrias e empresas funcionavam. Já na Psicologia, essa experiência me facilitou bastante identificar áreas de atuação na Psicologia Organizacional e do Trabalho. Foi ficando claro para mim que eu tinha aí uma perspectiva promissora de área de atuação. E aí eu conheci a Análise do Comportamento na PUC-SP, tendo aula, por exemplo, com a Téia (Tereza Maria A. P. Sério) – eu fui aluno dela por dois anos seguidos. Eu comecei a estagiar cedo no curso de Psicologia e já saí da universidade atuando em Psicologia Organizacional. No início, com um psicólogo analista institucional, que era inspirado pela tradição francesa de Deleuze e Guattari. Mas conseguíamos trabalhar juntos porque tínhamos uma ponte em comum, que ligava as teorias nas quais nos baseávamos: a clareza da construção social do conhecimento e da subjetividade; de que o comportamento não era apenas um fenômeno individual. Isso nos permitia uma base de diálogo e que trabalhássemos juntos – e que eu pagasse minhas contas (risos).

 

3. Enquanto analista do comportamento, como você descreveria sua trajetória profissional na Petrobras?

Inicialmente, como analista de recursos humanos, minha função era basicamente de execução de processos planejados pela gerência. Eu aprendi muito sobre como funcionam os processos de recursos humanos em uma empresa, mas a aplicação da Análise do Comportamento se dava muito mais na minha interpretação de como as coisas estavam acontecendo. Por exemplo, eu trabalhei muito avaliando e buscando melhorar o clima e cultura organizacionais. A Análise do Comportamento me permitia interpretar o que estava acontecendo, identificar contingências e metacontingências, mas minha função tinha limitações quanto a propor e alterar características específicas da atuação. Então, por exemplo, se a avaliação de clima e cultura organizacionais indicava um conflito importante entre um gerente e sua equipe, eu era responsável por mediar esse conflito, melhorando o “clima”. Minha análise era guiada pela análise de contingências, mas não dava para eu realizar intervenções que pudessem ser publicadas no Journal of Applied Behavior Analysis, digamos. Bastava que a avaliação do clima organizacional melhorasse para que a intervenção fosse considerada bem sucedida. Então, eu trabalhava com um nível mais baixo de aplicação da Análise do Comportamento. Eu tinha certa liberdade de atuação, dentro da qual eu interpretava o mundo da perspectiva que me parece mais coerente, mas as decisões sobre o formato geral da intervenção e da avaliação estavam a cargo de meus gestores.

Com minha mudança para a área de Segurança Comportamental, eu passei a ter muito mais espaço para a aplicação direta dos princípios da Análise do Comportamento. E eu tive muita sorte de encontrar uma cultura receptiva a esse tipo de intervenção. Eles estavam procurando alguém para atuar como consultor interno especificamente nessa área.

Já é tradição na área de segurança procurar comportamentos de risco, desvios nos procedimentos de segurança e dar tratamento – que geralmente é disciplinar, punitivo. O resultado imediato é que as pessoas começam a se esquivar emitindo comportamento seguro. No entanto, esse comportamento está sujeito ao paradoxo da esquiva – o sucesso do comportamento seguro elimina a ocorrência do acidente, que é o reforçador negativo. Então, com o tempo, as pessoas “relaxam” e “esquecem” do perigo de acidente a que estão expostas. Até que ocorra algum desastre e novamente as pessoas passem a se “preocupar” com os comportamentos seguros. Esse é o fenômeno que acabamos de comentar, a “banalização de desvios”. Eu interpreto esse fenômeno como um exemplo do paradoxo da esquiva. Para lidar com isso, eu tenho tentado fazer com que as pessoas, além de tratarem dos “desvios”, além de punirem comportamentos de risco, elas também façam o reconhecimento de comportamentos seguros – que elas reforcem positivamente os comportamentos adequados.

 

4. Olhando para o quadro mais amplo, como você descreveria e avaliaria a inserção de analistas do comportamento em organizações no Brasil?

Há claramente um interesse cada vez maior dentro da Análise do Comportamento pela área organizacional. A gente acompanha isso pelos Encontros da ABPMC, por exemplo. Desde os primeiros encontros – quando o John Austin veio participar de um Encontro em Campinas, e depois voltou para ministrar um curso no Encontro em Brasília – a área só tem se expandido. Também já houve, em 2015, a realização do I Encontro Brasileiro de Análise do Comportamento nas Organizações. Mais analistas do comportamento estão conhecendo a área, se firmando na área, se organizando institucionalmente. Mas dentro das empresas, tenho a impressão de que há interesse em problemas comportamentais, mas não há interesse em diferenças teóricas ou epistemológicas… Nas empresas, como psicólogo, você trabalha junto com profissionais de outras ciências humanas aplicadas (pedagogos, assistentes sociais, economistas, administradores, sociólogos etc.). Cada um desses profissionais dá sua contribuição específica, tem seu foco, seu viés, mas é muito comum um desses profissionais acabar migrando para uma área de atuação que não tem relação direta com sua formação original. O ciclo de conhecimento está cada vez mais veloz, levando a modas e a exigência de formação continuada constante. Os analistas do comportamento têm que perceber isso, atentarem para a coerência teórica na prestação de seus serviços, mas sem esquecer da produção de conhecimento aplicado para embasar a atuação nessas áreas. A Análise do Comportamento pode não ser distinguida do resto da Psicologia no mundo empresarial, mas seus resultados são claramente visíveis no sucesso dos profissionais que a empregam.

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Notas:

  • As afirmações do entrevistado não caracterizam uma posição oficial da Petrobras.
  • A entrevista foi realizada por Angelo A. S. Sampaio no dia 26/08/17.

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