[Artigo] Reflexões de B. F. Skinner sobre Educação e contribuições para a Psicologia Escolar

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A Educação foi um tema de interesse que acompanhou Skinner por toda sua carreira. Em muitos de seus textos é possível encontrar reflexões sobre o ensino, a escola, as relações estabelecidas no ambiente escolar e o sistema educacional como um todo. Dentre essas contribuições, algumas foram mais divulgadas ao longo das últimas décadas de produção em Psicologia Escolar e Educacional, enquanto outras foram como que deixadas de lado ou mal compreendidas. É provável que psicólogos educacionais e professores tenham certo conhecimento acerca de propostas metodológicas para ensino-aprendizagem extraídas dos textos de Skinner e de outros analistas do comportamento, a instrução programada, por exemplo. Entretanto, que é bastante incomum é que conheçam as reflexões mais amplas que o autor empreendeu, dentro das quais tais propostas ganham sentido.

O texto de Flores (2017) busca fazer um apanhado de tais reflexões que estão fundamentadas na Análise Experimental do Comportamento e no Behaviorismo Radical e a partir delas estabelecer um diálogo com o que tem sido produzido no campo da Psicologia Escolar, especialmente no Brasil. Para tanto, a autora divide seu texto em dois momentos. Inicia-o apresentando (a) as críticas feitas por Skinner à forma como a Educação era conduzida, nas escolas e nas universidades e (b) a visão do autor acerca dos objetivos da Educação no fortalecimento da cultura para, em seguida, esboçar traços de uma proposta para atuação em psicologia escolar considerando as contribuições de analistas do comportamento.

O ambiente hostil e punitivo da escola é o primeiro apontamento feito por Skinner listado no texto. De acordo com o autor, as contingências estabelecidas na rotina escolar são em sua grande maioria para controle coercitivo. O estudante se engaja em atividades principalmente para fugir de punições (que no passado aconteciam através de castigos físicos, mas que na atualidade se mantém em práticas como humilhação, notas baixas e reprovação). O uso excessivo de controle aversivo em detrimento de reforçamento positivo também se evidencia na falta de sentido que permeia a aprendizagem de conteúdos escolares. O estudante não sabe o porquê deve aprender tudo aquilo e dificilmente relata encontrar sentido para todo esforço que faz.

Ao enfocar o trabalho docente, a crítica de Skinner incide sobre as práticas de ensino que pouco ensinam, o que ele chamou de método “mande ler e verifique”, muito em voga nas universidades. Para o autor, tais condições são recorrentemente insuficientes e a responsabilidade de aprender recai completamente sobre o aluno, assim como seu eventual fracasso, sem que com isso sejam levantadas reflexões acerca do que os professores poderiam fazer para facilitar e mesmo garantir a aprendizagem. Essa postura, a da individualização da responsabilidade pelo aprender e pelo fracasso, também esvazia o papel do professor, no sentido de que faz crer que o professor nada pode fazer para mudar a realidade e que ele nada tem de implicação com os resultados da educação. Nas palavras de Skinner: “nós não ensinamos, nós meramente criamos uma situação em que o estudante ou aprende ou é condenado” (Bjork, 1997 citado por Flores, 2017).

Outro apontamento feito pelo autor diz respeito à forma como a psicologia se aproximou da educação (Skinner, 1973/78a). Para ele, as teorias do desenvolvimento, que enfocam as etapas alcançadas pelas crianças, são interpretadas pelos professores como uma prova do inatismo e, sendo assim, nada podem fazer quanto ao desenvolvimento, apenas esperar que ele aconteça. Lira (2014) constatou em pesquisa recente que é comum os professores do ensino infantil não compreenderem a relação entre as suas práticas cotidianas de ensino em sala de aula e o desenvolvimento do aluno. Em tais concepções, o papel das contingências para promoção de condições que são pré-requisitos para aprendizagem e do desenvolvimento é negligenciado.

As concepções estáticas do desenvolvimento acabam por engessar as possibilidades de ação, tanto de professores como de psicólogos na escola. Skinner (1978b) também aponta o fato de que muitas propostas de ensino fundamentam-se em uma concepção que naturaliza a curiosidade, criatividade, interesse do estudante. Desconsiderando o que pode ser feito para ajudar na aprendizagem de comportamentos criativos e no incentivo para criar  interesse, curiosidade e motivação no estudante. No mesmo sentido, também naturaliza-se a docência, que passa a ser encarada como uma espécie de dom e não como conjunto de comportamentos que podem ser aprendidos. Por fim, pouco é feito para ensinar ao estudante como aprender e ao professor como ensinar (Skinner, 1973/1978a).

Um dos efeitos do fracasso das tentativas de empreender melhorias nas práticas de ensino foi a proliferação de teorias que apelavam para a espontaneidade da aprendizagem e do interesse do aluno. As propostas passaram a conter um caráter descrito como promotor de “liberdade”, ao estudante era oportunizado aprender em contato direto com ambiente, com pouca ou nenhuma instrução. Mas Skinner (1973/1978a) ressalta que o mero contato com o ambiente não é a forma mais eficaz para que os estudantes aprendam tudo que pretendemos ensinar para futuras gerações. As contingências estabelecidas pela natureza não são suficientes para a propagação da cultura em toda sua complexidade. O autor nos lembra de que alguns dos nossos valores de maior prestígio, como autonomia e a democracia, são conquistas coletivas e não individuais e para tanto, não são inventadas novamente por cada novo membro da cultura, mas transmitidas em práticas de ensino específicas para tal.

Adiante, Flores (2017) faz uma enumeração de três considerações importantes para atuação do psicólogo escolar analista do comportamento, e finaliza apresentando uma proposta já consolidada na área, o Suporte Sistêmico a Comportamentos Positivos (SWPBS – School-Wide Positive Behavior Support). As três considerações são descritas a seguir.

O foco deve estar na aprendizagem: a autora sugere que a escola, com a ajuda do psicólogo escolar livre-se de “contingências cerimoniais” que exigem do aluno comportamentos que apenas reforçam sua submissão e obediência a qualquer custo e que mantenha, na medida do possível, apenas “contingências tecnológicas” que vão de fato ser úteis para promover aprendizagem. Um exemplo é o levantamento feito por Ravthon (1999) que descreve uma série de intervenções baseadas em evidências para ensino de escrita.

O comportamento não deve ser concebido como intrínseco ou imutável: é comum que psicólogos sejam chamados na escola para realizarem avaliação e diagnósticos em crianças com dificuldades no processo de escolarização. Essa postura está pautada na concepção de que o problema está na criança e, portanto, ceder a ela é atuar para fortalecer a estigmatização. Na busca por encontrar outros culpados e superar essa estigmatização, psicólogos e professores encontram na família um bode expiatório que proverá a explicação menos individualizada. Em ambos os casos o problema permanece, as contingências vividas na escola tendem a se manter e o tratamento/intervenção ainda é realizado sobre a criança e pouco é feito para modificar as práticas culturais escolares que geram o fracasso e os desajustamentos. Crone e Horner (2003) propõem que o ensino da abordagem funcional do comportamento pode ajudar professores a encontrar novas formas de interpretar a relações e planejar intervenções melhor contextualizadas.

O olhar deve ser funcional: o estudo do comportamento tem tornado evidente a relação funcional que se estabelece entre as ações do indivíduo e suas condições antecedentes e consequentes. Analistas do comportamento utilizam a análise de contingências, ou análise funcional, para compreender melhor o comportamento e suas razões e assim poder intervir sobre sua ocorrência de forma mais acertada. A autora do texto apresenta bons exemplos de como essas relações funcionais são ignoradas na formulação das queixas escolares e através de um caso narrado exemplifica como é possível elucidar relações de reforço que passam despercebidas na rotina, mas que são muito importantes para compreender como as queixas se estabelecem.

É comum que as escolas recorram aos trabalhos de psicólogos para que realizem palestras informativas, minicursos e oficinas, no intuito de melhorar a formação dos professores e profissionais. Essas ações acabam tendo efeito apenas temporário e mesmo que promovam mudanças, tendem a não ser duradouras. Para ampliar as possibilidades, Flores (2017) sugere uma postura de Coaching ou consultoria prestada pelo profissional da psicologia, voltada não apenas à instrução dos professores, mas ao acompanhamento do processo de implementação das estratégias comportamentais. Para Seniuk et al. (2013) é fundamental que o psicólogo, tendo realizado o diagnóstico e o plano de ação coletivamente, auxilie os membros da equipe escolar na implementação de mudanças e análises constante dos efeitos provocados. O propósito é que os professores aprendam e se tornem autônomos em identificar a raiz das queixas, implementar projetos coerentes e fazer ajustes necessários ao longo do processo de mudança, tudo isso com auxílio das ferramentas de análise funcional.

Para propor estratégias cabíveis que serão implementadas pela equipe escolar, é importante que o psicólogo saiba realizar um bom levantamento das práticas já estabelecidas e partir delas ampliar e aperfeiçoar o repertório dos demais profissionais, rumo à autonomia deles. Aqui, não mais se planeja intervenções sobre estudantes específicos, mas sobre toda comunidade que sustenta práticas culturais que tem gerado desajustamentos e exclusão.

O SWPBS é um conjunto de práticas interventivas no contexto escolar que visam a prevenção de comportamentos incompatíveis com os valores adotados pela comunidade escolar. A proposta é uma alternativa às medidas coercitivas que se estabelecem e ganham força quando se empreende a tentativa de reprimir comportamentos inadequados, que focalizam, portanto, o problema. A abordagem consiste em unir os agentes da escola (alunos, professores, pais e equipe) na elaboração e implantação de políticas amplas que favoreçam a emergência de comportamentos congruentes com os valores almejados por todos. Sprague & Walker (2005) ressaltam que o diferencial do SWPBS está no fato de que se fundamenta nos princípios da análise funcional do comportamento e tem o foco na prevenção. Alguns efeitos relatados pelos autores são o incentivo às práticas positivas que se desenvolvem no ambiente escolar a partir do estabelecimento de contingências de reforço adequadas e a melhora no clima geral da escola. Solomon et al. (2012) realizaram um estudo no qual encontraram relatos de 16 experiências de aplicação do SWPBS e os resultados mostraram redução de medidas disciplinares coercitivas e ineficazes aplicadas pelas escolas.

Por fim, a autora indica uma série de referências para aqueles que gostariam de conhecer melhor as possibilidades de trabalho em psicologia escolar sob a ótica da Análise do Comportamento e reitera seu interesse em estabelecer diálogo com demais abordagens que têm trabalhos consolidados no campo.

Um resumo de: Flores, E. P. (2017). Análise do Comportamento: Contribuições para a Psicologia Escolar. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 19(1).



Referências

Bjork, D. W. (1997). BF Skinner: A life. Washington, DC: American Psychological Association.

Crone, D. A. & Horner, R. H. (2003). Building Positive Behavior Support Systems in Schools: Functional Behavioral Assessment. New York, NY: Guilford Press.

Lira, P. G. R. (2014). Concepções de professoras da educação infantil sobre teorias do desenvolvimento psicológico e sobre a relação estabelecida entre estas e suas práticas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Psicologia) Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, 2014.

Seniuk, H. A., Witts, B. N., Williams, W. L., & Ghezzi, P. M. (2013). Behavioral Coaching. The Behavior Analyst, 36(1), 167-172.

Skinner, B. F. (1978a). Some implications of making education more efficient. In B. F. Skinner (Org.), Reflections on Behaviorism and Society (pp. 129-139). Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall. (Original work published em 1973, reimpresso de C. E. Thorsen (Ed.), Behavior Modification in Education, Chicago: National Society for the Study of Education.

Skinner, B. F. (1978b). The free and happy student. In B. F. Skinner (Org.), Reflections on Behaviorism and Society (pp. 140-148). Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall. [Original work published em 1973, reimpresso de C.E. Thorsen (Ed.), Behavior Modification in Education, Chicago: National Society for the Study of Education.]

Solomon, B. G., Klein, S. A., Hintze, J. M., Cressey, J. M., & Peller, S. L. (2012). A meta-analysis of school-wide positive behavior support: An exploratory study using single-case synthesis. Psychology in the Schools, 49(2), 105-121.

Sprage, J. R. & Walker, H. M. (2005). Safe and healthy schools: Practical prevention strategies. New York, NY: Guilford Press.

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